Contra a corrente

“Por que é que você está sendo tão gentil comigo”?

Quando a paciente me lançou esta pergunta, pensei: “as coisas realmente vão muito mal”.

A partir do momento em que uma coisa tão elementar quanto gentileza passa a causar estranheza, devemos parar e refletir seriamente no tipo de vida que nos sujeitamos a levar. Preferi apenas sorrir-lhe a ter de responder “porque eu acho normal, e deveria ser normal”, mas poderia causar muita perplexidade, e certamente eu terei muito tempo para trabalhar estas questões com ela.

Vivemos uma decadência moral, uma subversão de valores e, por consequência, uma total confusão sobre a forma como devemos tratar uns aos outros, o que devemos almejar na vida, e quais as formas mais apropriadas de consegui-las. Desnecessário dizer que o consumismo é o grande regente da nossa sociedade, e através dele, se realiza a máxima de que as pessoas vivem uma vida da qual não gostam, se submetendo a trabalhos que detestam para consumir coisas das quais não precisam, alimentando assim uma elite alienada que imagina fazer sua parte, na melhor das hipóteses, doando míseras porções de suas fortunas a ações assistencialistas. E para que a triste sociedade consiga suportar isso, crescem seus pilares: bares, farmácias e igrejas, (além, obviamente, dos poderosos fabricantes dos bens de consumo).

Como já observou Paulo Freire, a sociedade continua dividida entre opressores e oprimidos, num contexto em que a educação não gera liberdade, e quase sempre o sonho dos oprimidos é tornarem-se opressores. Ao mesmo passo, quase todos costumam criticar os governantes, e de forma bastante hipócrita, perpetuam a corrupção ao nível em que lhes é possível.

O pior de tudo: as coisas estão piorando. Um olhar atento ao redor basta para compreender que as novas gerações estão cada vez mais perdidas. Os que tem alguma possibilidade de realizar o bem, estão mergulhados num mar de egoísmo, gastando suas energias com questões pífias, com ideais de acúmulo, com sonhos de consumo (!!), complemente insensíveis aos sofrimentos de seus iguais, sofrimento este, amplificado pela ignorância de nem saber ao certo porque se sofre, mas que garante o suprimento dos bens (??), consumidos por indivíduos anestesiados pela sensação de “quanto mais excludente for minha compra, mais status terei”.

Mas há quem pense diferente, e mais do que isso, está afim de fazer diferente. Amparados por esta percepção, nós, residentes de medicina de Família e Comunidade de Florianópolis, criamos este novo espaço. Queremos debater de forma crítica e reflexiva, temas relevantes para a construção de uma sociedade mais justa, harmoniosa, com indivíduos conscientes e autônomos.

Convidamos a todos que, mesmo vendo o rumo das coisas, não veem outra opção que não seja remar contra a corrente. Que apesar de tudo nutrem grandes esperanças, e que sabem que toda grande viagem começa com o primeiro passo.

“Se não agora, quando? Se não nós, quem “?

Pedro Mendonça de Oliveira

4 comentários em “Contra a corrente

  1. Adorei esse blog. Seu texto sem comentários! Doar uma quantia a sociedades beneficientes é muito fácil. Trabalhar como voluntário é bem diferrente é se doar para pessoas que sofrem muito mais que a gente.
    No início podemos divulgar o blog atravès do Facebook e criar “uma teia de aranha” já que tantas pessoas ou quase todas usam essa forma de comunicação!

    Confesso que ainda não sei usar direito, tenho uma conta mais entro e saio toda hora.

    Posso passar para amigos em São Paulo, que tem outros amigos…..isso se você permitir
    mais antes preciso saber se o blog é para ser divulgado apenas em Florianópolis.

    Se alguém não der o primeiro passo, quem o dará? Ninguém consegue nada sózinho. Precisamos ser unidos e remar contra a corrente…. Se puder ajudar de qualquer outra forma, ficaria muito feliz!

    Curtir

  2. Dizer que o Dr. Pedro leva jeito com as palavras é chover no molhado para mim.
    Há algum tempo vem transformando palavras simples em belas crônicas, textos, observações e tudo mais que a sua alma lhe ensina.
    Desde sua formatura, com seu amadurecimento profissional, tem se tornado mais altruísta.
    Seu aprendizado em Posto de Saúde tem lhe servido para uma observação real da situação em que vivemos. O que nos é oferecido como cidadãos, direitos assegurados em nossa Carta Magna, tão maltratada hoje e sempre. Direitos já tão mínimos, mas vergonhosamente usurpados por quem nos representa.
    Sou admirador incondicional deste olhar. Um olhar crítico, mas realista. Um olhar novo, para olhares antigos. Um olhar generoso, para o olhar do próximo.
    Orgulho de saber que você esta fazendo e fara a diferença na sua profissão.
    “Se não agora, quando? Se não VOCÊS, quem “?
    Ótimo texto do Dr. Thiago Cherem Morelli. A gente sente a inquietação do profissional, em sua reflexão.
    Parabéns a todos pelo blog, que venham muito mais questionamentos, verdades, anseios e cobranças. Muitas cobranças, pois só incomodando é que se consegue algo de direito.

    Curtir

    1. Alguns meses atrás conheci uma pessoa que hoje me permito chamar de E.T. Sabes porque? Porque nesse planeta terra está difícil encontrar pessoas boas! Pessoas com a alma bonita….Ele escreve muito bem, aliás ele tem o dom da escrita. Ele tem me ensinado muitas coisas que hoje tento aplicar na minha vida.
      Então “faço minhas as sua palavras” e que venham bilhões e bilhões de pessoas para incomodar!!!!

      Curtir

  3. Gostei e muito do texto! Eu tenho a impressão que não somente nadar contra a corrente. É fazer com que outros “peixes” se juntem a nós e, desta forma, siga pra uma outra direção. Eu duvido que a água, por mais poderosa, ia impedir um cardume de rumar para onde é melhor pra ele. (Hehehehe)

    Curtir

Deixe um comentário